

Este texto foi escrito pela Olga Maslikhova, formada em Stanford, investidora anjo no mercado de saúde, tecnologia e outros setores em diversos países emergentes, e atualmente conselheira da Vitalk.
Combatendo o estigma da saúde mental por meio da tecnologia digital, aumentando a conscientização e a mentalidade do empreendedorismo por necessidade
Sendo um anjo investidor e VC, sou movida pela curiosidade e pela paixão em desenvolver ideias inovadoras que abordem questões urgentes em setores essenciais, como saúde, com foco em mercados emergentes frequentemente esquecidos. Estou sempre em busca de novos mercados que tenham seu potencial inexplorado (ou pouco explorado), ampliando meu escopo para além da indústria habitual e das suspeitas regionais para encontrar oportunidades únicas de crescimento. Ao fazer um levantamento do cenário global atual, sinto que dois campos estão preparados para desafiar novas empresas a apresentar soluções digitais atraentes para problemas urgentes: os mercados latino-americanos e o setor de saúde mental e comportamental.
Atual crescimento tecnológico da América Latina
A América Latina está experimentando um crescimento explosivo em seu ecossistema tecnológico e o Brasil, em particular, está se tornando um hotspot para inovação tecnológica. Grandes indústrias de diversos setores tradicionais estão passando por mudanças revolucionárias ocasionadas pela tecnologia: por exemplo, empresas de fintech como Nubank, EBANX, Stone e PagSeguro, já transformaram a indústria de serviços financeiros e mudaram o relacionamento das pessoas com o dinheiro. No futuro, os unicórnios brasileiros provavelmente irão se expandir para além das indústrias que os alimentaram até agora, estimulando a transformação acelerada de grandes setores, como infraestrutura e saúde.
Oportunidade crescente na área da saúde
Esse último setor está especialmente qualificado para a intervenção produtiva de startups de tecnologia experientes e criativas. O Brasil representa o maior mercado de saúde da América Latina e do Caribe. Sendo uma economia emergente, os gastos com saúde no Brasil ainda ficam atrás dos países desenvolvidos; No entanto, em termos regionais, é um dos mais altos em relação ao seu produto interno bruto. Em 2017, os gastos com saúde do Brasil representaram 9,5% do PIB do país, ou ~ $1.282 per capita em 2018.
Portanto, estou particularmente animada com as oportunidades do setor da saúde e mal posso esperar para ver o primeiro unicórnio emergir nos próximos anos. Eu prevejo uma mudança neste setor seguindo uma tendência semelhante à dos serviços financeiros: as startups de tecnologia irão descompactar pilhas e oferecer fatias diferentes melhor do que os incumbentes (ou governo, nesse caso) e, então, uma vez validado, começarão a agrupá-los de volta.
Saúde Mental Digital como um Setor Emergente
O setor de saúde está repleto de oportunidades de inovação, das quais acredito que o espaço digital comportamental e de saúde mental é um dos mais promissores. No Brasil, os serviços de saúde mental apresentam taxas de adesão notoriamente baixas por uma série de razões históricas e culturais:
- A saúde mental está atualmente centralizada em instituições psiquiátricas e a cobertura de serviços de saúde mental baseados na comunidade ainda é muito baixa. Os serviços são distribuídos de forma desigual pelas diversas regiões do país (embora algumas reformas que abordam essa questão tenham sido realizadas desde 1990). Atualmente, o número de psiquiatras per capita é de aproximadamente 5 a cada 100.000 habitantes na região Sudeste; a situação na região Nordeste é ainda mais grave, com menos de 1 psiquiatra a cada 100.000 habitantes.
- Ainda não existe um alto nível de integração entre as equipes de cuidados básicos e de saúde mental que atuam em nível de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Os médicos lidam com a maioria das preocupações dos pacientes, excluindo a possibilidade de deixar que um psicólogo ou psiquiatra tome decisões de saúde informadas com os pacientes.
- Transtornos de ansiedade e depressão são altamente estigmatizados. Pessoas que sofrem de ansiedade de depressão frequentemente enfrentam o estigma cultural em torno dessas condições; Na cultura brasileira, questões de saúde mental são frequentemente consideradas vergonhosas para serem discutidas abertamente e, portanto, são menosprezadas e pouco reconhecidas.
- Uma cultura de trabalho acelerada e exigente cobra o preço na saúde mental do trabalhador – e impõe suas próprias barreiras no acesso aos cuidados de saúde. Em ambientes com altos níveis de estresse/intensidade, como ambientes de trabalho, empregadores não reconhecem a necessidade de tirar um tempo de folga para priorizar a saúde mental. O impacto da saúde mental na produtividade e na performance ainda não é totalmente quantificável, tornando os empregadores reticentes em adotar mudanças sistêmicas mais amplas nessa área.
- A saúde mental é proibitivamente cara. Quem pode ter acesso aos serviços de saúde mental? As soluções tradicionais de terapia de saúde mental têm um custo proibitivo para a maioria dos brasileiros, atualmente disponíveis apenas para os 20% de renda mais alta da sociedade brasileira. Apenas cerca de 25% da população tem plano de saúde e, mesmo assim, é muito difícil obter acesso. Isso faz com que a saúde mental seja acessível apenas a alguns no topo da escala de renda do país: na prática, apenas cerca de 1 a 2 milhões de pessoas (ou cerca de 0,5% -1% da população) já fizeram qualquer tipo de psicoterapia.
O Brasil tem uma população de mais de 211 milhões de pessoas, fazendo com que seja o sexto país mais populoso do mundo. Cerca de 68% da população brasileira tem entre 15 a 64 anos, uma faixa etária alvo para transtornos de ansiedade e depressão, enquanto o acesso ao auxílio da saúde pública para tratamento permanece baixo. Esses fatores combinados produzem resultados profundamente preocupantes: suicídio é a segunda maior causa de morte entre brasileiros de 15 a 29 anos. Essa estatística é tão chocante quanto é evitável: recursos de saúde mental acessíveis como “conversas” guiadas por robôs, meditação, exercícios de respiração, rastreamento de humor e opções múltiplas de terapia, mostraram melhorar drasticamente os resultados da saúde mental.
Então, quais são alguns dos motivadores de adoção?
- Com mais de 4.8 mil startups de tecnologia, incluindo 10+ públicas e 17+ unicórnios, o Brasil é o centro nevrálgico do ecossistema de startups da América do Sul. Muitas empresas são dirigidas por CEOs visionários e com alto nível de educação, que entendem a importância de contratar, reter e cultivar grandes talentos – e que também entendem o efeito prejudicial da ansiedade, depressão e burnout no desempenho organizacional. Com o setor de tecnologia em alta e com as pessoas em primeiro plano, a cultura workaholic e seus efeitos perniciosos sobre a saúde mental estarão cada vez mais no centro das atenções.
- Existe uma correlação demonstrada entre o acesso limitado à educação e problemas de saúde mental, e a inovação no setor brasileiro de EdTech estimulada pelas promessas de resolver os problemas interconectados pela pandemia do COVID-19. No Brasil, adolescentes cujas mães têm um nível de escolaridade mais baixo apresentaram maior prevalência de transtornos de depressão e ansiedade. Assim, prevejo que a incorporação de EdTech no setor escolar público brasileiro terá um impacto positivo na saúde mental geral da população, especialmente em áreas rurais.
- A crescente conscientização das condições de saúde mental e a importância de priorizar a saúde mental irão levar a uma maior conscientização pública sobre essas questões. Esses temas vêm chamando a atenção de pesquisadores e aumentando o apoio institucional: recentemente saíram do Brasil diversos estudos importantes sobre a prevalência de transtornos mentais na população adulta, incluindo estudos de base populacional, com dados da Pesquisa Nacional de Saúde, da São Paulo Megacity Mental Health Survey, do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes feitos em crianças e adolescentes.
- Mais de dois terços dos brasileiros têm acesso a smartphones e à internet, o que excede a média global. O Nubank aproveitou a enorme taxa de adoção de telefones celulares e o serviço de telefonia confiável para alcançar populações carentes em áreas rurais. Essa tática também pode ser replicada na área de saúde digital.
- Geracionalmente, a geração Y e a Geração Z estão quebrando o estigma histórico e o silêncio em torno das questões de saúde mental, discutindo abertamente a importância da saúde mental e exigindo soluções acessíveis de alta qualidade nesta área. Essa também é a mesma categoria de pessoas que mais sofrem com os transtornos mentais – outro fator que aponta para o aumento do interesse por serviços digitais de saúde mental.
Daqui para frente
Tudo isso cria o cenário perfeito para os iniciantes em saúde mental comportamental digital. Esses são problemas difíceis de resolver, mas a oportunidade para startups habilitadas em tecnologia de melhorar a qualidade de vida de 99% da população é enorme e há uma grande variedade de oportunidades de “carona” disponíveis. O isolamento físico prolongado ocasionado pela pandemia expôs o desafio urgente das questões de saúde mental, aumentou a conscientização sobre a importância da saúde mental e acelerou o desenvolvimento de indústrias adjacentes que podem acelerar o tempo de colocação no mercado de empresas de saúde mental.
Acredito que as equipes mais bem-sucedidas terão um conhecimento profundo da dinâmica local e das nuances da infraestrutura local de saúde, e serão movidas pela paixão pela causa. É por isso que estou emocionada por ter ingressado recentemente na diretoria consultiva da Vitalk, uma empresa de saúde comportamental digital de rápido crescimento com sede no Brasil, que torna a psicoterapia 5 vezes mais acessível do que a solução tradicional, e que é igualmente eficaz. Vitalk é um exemplo do tipo de empreendimento com o qual estou mais animada agora e é emblemática de algumas tendências importantes que vejo animar o mercado nos próximos anos. Estou inspirada pela missão da Vitalk de tornar a saúde mental acessível e sem estigmas, e estou ansiosa para ajudar sua equipe a melhorar drasticamente a vida da maioria da população do Brasil e da América Latina em geral.
Este texto foi escrito pela Olga Maslikhova, formada em Stanford, investidora anjo no mercado de saúde, tecnologia e outros setores em diversos países emergentes, e atualmente conselheira da Vitalk.